Ouço com determinada frequência "aqui a gente aplica agilidade direitinho, fazemos todas as rotinas", vejo com ainda mais frequência empresas se afogarem nessas mesmas rotinas, com um mesmo membro tendo que participar de 3 daily's, e cada uma delas com 45 minutos. O manifesto prega indivíduos e interações, não indivíduos e reuniões. Mas a aplicação prática vai muito além do que simplesmente "organizar um planejamento" ou "organizar uma revisão de entrega".
Uma das reflexões mais ricas que tive em minha mentoria é justamente da importância do lado direito do manifesto ágil. Indivíduos e interações mais do que processo e ferramentas, produto em funcionamento mais do seguir um plano....Note que a agilidade surge de uma inconformidade com modelos tradicionais de gestão, focados em um modelo massivamente preditivo. PMI recebe bola nas costas como se ele fosse o modelo tradicional mas essa é uma falácia que precisa cair por terra. O primeiro guia do PMBOK surgiu depois da primeira publicação de práticas como Scrum, Crystal e Extreme Programming, lá para meados de 96, apenas quatro anos antes do Manifesto Ágil, ou seja, de tradicional não tinha lá muita coisa.
Mas esse tal de "Tradicional" ao que o manifesto se opõe não é uma entidade, mas sim um modelo de gestão, que via as pessoas como máquinas, ou como "os melhores ativos de sua organização". Costumo brincar que Agilistas são uma seita ortodoxa do Lean, tão a sério que recriaram todo o modelo de pensar focando exclusivamente na entrega do cliente. De tão ortodoxo escrevem seus planos de ação da mesma forma que o cliente faz o pedido, abraçando toda a complexidade de um ponto de vista pessoal e parcial, aprendendo a navegar em meio ao subjetivo para criar um lógica analítica, e dali retirar dados importantes para a melhoria do processo.
Mas é ai que está o pulo do gato: só se melhora um processo que existe, produto só funciona com uma documentação mínima para a colaboração e interação, colaboração com o cliente ocorre após a formalização de um contrato, e assim sucessivamente.
Já ouvi muito em minha carreira pessoas se surpreenderem por eu trazer um plano de entregas ao iniciar um projeto com práticas como Scrum ou Kanban, ou até mesmo quando trazia uma análise de riscos com plano de contenção, ou então quando eu mapeava um processo existente para o time atuar com melhorias incrementais. A lista vai longe...
Agilidade é uma área de gestão, que serve tanto para práticas operacionais, quanto para projetos, serve para áreas de tecnologia tanto quanto para a construção, serve tanto para o desenvolvimento quanto para o RH.
O que acontece é que o mercado de tecnologia cresceu exponencialmente nos últimos anos, e foi necessário criar profissionais de forma muito rápida, e com isso o mercado se encheu de cursos preparatórios de "gestão ágil" onde a única coisa que você vê de agilidade é Scrum, e ainda assim só as suas rotinas. E buscando melhorar a experiência dos estudantes os treinadores focaram em dinâmicas e murais coloridos, com várias temáticas diferentes, e deixaram boa parte do conteúdo de lado.
Falo isso como treinador e como recrutador, várias vezes durante entrevistas vejo profissionais que não saíram do básico de "planning, daily, review e retro", ou que arriscam falar de um CFD mas mal sabem identificar os padrões de processo que o gráfico demonstra. Como treinador, vejo alunos que chegam com várias certificações, mas nunca viram agilidade na prática ou então agilistas de uma prática só.
Existem, literalmente, centenas de práticas ágeis e algumas dezenas de práticas consagradas, onde boa parte sequer possui Daily, Review, Planning e Retro, por vezes elas se quer possuem uma reunião padronizada. A maioria foca em técnicas de inovação, com interações simples, enxutas com o único propósito de melhorar a entrega de valor para o cliente. Disso saem técnicas de gestão da inovação, gestão da qualidade, gestão de recursos humanos, de comunicação, de gestão de benefícios, de planejamento, de orçamento e tantas e tantas outras.
A verdade é que Agilidade é pragmática, empírica, se o seu time recorre muito ao "by the book" ou joga toda suas fichas em reuniões - e não interações - é bem provável que você esteja vendo um teatro de agilidade, e não ela na prática.
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